segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Fernando Pessoa


   O tempo, que envelhece as faces e os cabelos, envelhece também, mas mais depressa ainda, as afeições violentas. A maioria da gente, porque é estúpida, consegue não dar por isso, e julga que ainda ama porque contraiu o hábito de se sentir a amar. Se assim não fosse, não havia gente feliz no mundo. As criaturas superiores, porém, são privadas da possibilidade dessa ilusão, porque nem podem crer que o amor dure, nem, quando o sentem acabado, se enganam tomando por ele a estima, ou a gratidão, que ele deixou.
   Estas cousas fazem sofrer, mas o sofrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão de passar o amor e a dor, e todas as mais cousas, que não são mais que partes da vida?
   Quanto a mim... O amor passou. Mas conservo-lhe uma afeição inalterável, e não a esquecerei nunca, CREIA! Nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequenina, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua índole amorável. Pode ser que me engane, e que estas qualidades; que lhe atribuo, fosse uma ilusão minha; mas nem creio que fossem, nem, a terem sido, seria desprimor para mim que lhe as atribuísse.
   Peço que não faça como a gente vulgar, que é sempre reles. Fiquemos um perante o outro, como dois conhecidos desde a infância, que se amaram um pouco quando meninos, e, embora na vida adulta sigam outras afeições e outros caminhos, conservam sempre, num escaninho da alma, a memória profunda do seu amor antigo e inútil.
   Que isto de "outras afeições" e de "outros caminhos" é com você, Ophelinha, e não comigo.
Não é necessário que compreenda isto. Basta que me conserve com carinho na sua lembrança, como eu, inalteravelmente, a conservarei na minha.

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